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SÉRGIO MAESTRELLI

OS BERGAMASCOS – FORÇA E BELEZA NAS MONTANHAS DE BELVEDERE




Em 1963, a antiga localidade de Rio Bonito, rebatizada para Vila Nesi, um reduto de bergamascos falando alto, cantando alto, rezando baixinho e todos se jogando ao lavoro. Pintura de Neide De Pellegrin.
Em 1963, a antiga localidade de Rio Bonito, rebatizada para Vila Nesi, um reduto de bergamascos falando alto, cantando alto, rezando baixinho e todos se jogando ao lavoro. Pintura de Neide De Pellegrin.

Na história e colonização de Urussanga já foram devidamente citados os Belluneses, Trevisanos, imigrantes de Erto-Casso, Trentinos (apenas duas famílias: Concer e Maestrelli em Rio dos Americanos) e agora precisamos falar sobre os Bergamascos que colonizaram o distrito de Treviso e as localidades de Belvedere, São Donato, Vila Nesi, Coxia Rica, Montanhão, enfim, os alpes urussanguenses.


Treviso

A Companhia Metropolitana, antiga Sociedade Ângelo Fiorita & Cia comandada por Miguel Napoli, povoou a Colônia de Nova Veneza e os núcleos de Nova Treviso, Nova Belluno e Rio Ferrero (Belvedere). Vinham de Belluno, Treviso, Ferrara, Bergamo. O distrito de Nova Treviso nasceu na véspera do natal de 1891, quando por lá chegaram cerca de 100 famílias, depois de completarem a via sacra, nas palavras do Monsenhor. Eles deixaram a Itália e o porto de Gênova em 28 de outubro de 1891 embarcados no navio francês “Cachemir”. Já em solo americano, a missão inicial foi a de abrir caminhos e o futuro com machado, facão e disposição.


Rio Ferrero

Eram 111 as famílias que chegaram com braços, foices e machados: Losso, Ruzza, Brambilla, Dal Bó, Tasca, Toigo, Pozzato, Franguelia, Righetti, Nicolazi, Trento, Possenti, Beccari, Marangoni, Nicolassi, Moretti, Valmini, Moccelin, Nardio, Cagliaro, Stivanini, Stivanin, Pelatti, Cambruzzi, Lavina, Rizzon, Tonetto, Ansiliero, Cargnato, Nichele, Qualiotto, Borga, Spada, Bregantin, Bendo, Guglielmi, Ferraro, Resinelli, Compagnin, Bertoli, Constantin, Pagnani, Paganini, Lucate, Ferrari ( Ferari), Fenilli, Piati, Ariatti, Pirola, Canônica, Maffioletti, Daminelli, Pandini , Abatti, Locatelli, Bonomi, Amboni, Nesi, Crotti, Rotta, Cividini, Mora, Stangherlin, Baldo, Baretta, Barrichelo, Bregantini, Berva, Campagnir, Carminato, Cavalieri, Cesconetto, Cologni, Constante, Coral, Cozza, Grotti, De Bona, Falchetti, Fuginni, Lorenzi, Lorenzon, Mazzalini, Miotelli, Peniso, Piazzini, Polotti, Quagliotto, Regonesi, Resinelli, Rissone, Roncalli, Rossini, Spazzini, ,Valvassori, Zanha, Zapella, Amoroso (Amorísio), Parnizza, Piazini, Sangaletti.

Desde o início da imigração os bergamascos trabalham, cantam e rezam, tendo em seu território a proteção de São Sebastião (Vila Nesi), Madonna Del Bambin (Coxia Rica), São Donato (São Donato), São Miguel (Belvedere), Santa Bárbara (Belvedere Baixo), São Paulo (Montagnú) e Madonna Del Caravaggio (Rio Ferrero).


Bergamascos ilustres

Seguramente na história do mundo, o bergamasco mais famoso foi Ângelo Giuseppe Roncalli, nascido na comune de ‘Sotto il Monte”, cardeal e patriarca de Veneza, e o papa João XXIII, de 1958 a 1963. Foi aclamado como o “Papa Bom”, o “Papa da Bondade”. Entrou para a história por encíclicas como a Mater et Magistra (Mãe e Mestra), a Pacem in Terris (Paz na Terra). E principalmente por ter convocado o concílio Vaticano II que reformulou toda a Igreja. Foi declarado beato pelo papa João Paulo II no ano de 2000. Aldo Daniele Locatelli (Villa d’Almè, 18 de agosto de 1915 — Porto Alegre, 3 de setembro de 1962). Foi um pintor ítalo-brasileiro, de grande importância no cenário artístico no campo da arte sacra onde decorou vários templos. Seu pai reconhecia seu filho como “alguém que não sabia fazer nada além de pintar” e preocupava-se com o seu futuro. Integrou a Academia Carrara de Bergamo, instituição de ensino superior de arte. Na segunda guerra foi enviado a Nápoles participando de várias ações militares. Em 1946 venceu uma licitação para a restauração da cúpula de uma igreja pontifícia em Gênova, bombardeada na guerra. E, em 1948, a convite do bispo Dom Antônio Zattera, pintou a Catedral São Francisco De Paula em Pelotas cognominada de “Atenas do Rio Grande”. Em 1950 promoveu a decoração da Igreja de São Pelegrino, em Caxias do Sul. Decorou também a Catedral de Santa Maria, a Catedral de Novo Hamburgo e a Catedral de Porto Alegre. Diversas famílias em Belvedere carregam o sobrenome Locatelli. Da localidade de Belvedere -Vila Nesi, temos também um personagem ilustre. O professor e tenor Aldo Baldin, o urussanguense que mais alto e mais longe levou o nome Urussanga. Filho de Antônio Baldin da localidade de Rio Carvão e Serena Dandolini de Belvedere, fixou raízes na Vila Nesi. De origem trevisana, Aldo viveu sua infância, adolescência e juventude cercado de famílias de origem bergamasca e como bergamasco pensava. Até o dialeto falava.


Dos tempos da imigração

Seguramente a localidade foi batizada por antepassados de origem portuguesa quando demarcavam os lotes da Colônia, pois se batizada fosse pelos imigrantes italianos, não seria Rio Bonito. Seria Rio Belo. Os imigrantes portugueses que antecedendo-se aos italianos, também rumaram para o Brasil com seus sonhos, sua cultura e seus sacrifícios, sacrifícios estes que foram imortalizados nos versos do poeta português Fernando Pessoa, que no cais de Lisboa se dirigindo ao mar registrou: “Oh! mar, quanto do teu sal, são lágrimas de Portugal”. Estava se referindo ao sofrimento das mães portuguesas que aguardavam no porto, aflitas, a volta de seus filhos marinheiros que haviam partido em naus e caravelas e cuja maioria deles, teriam o oceano como túmulo e jamais retornariam. E o agrimensor português sabia o que dizia quando batizou aquele lugar de Rio Bonito, onde o verde, a água e a rica fauna reinavam como imperadores absolutos do lugar.


Ano Domini de 1963

Tomo emprestado algumas palavras de George Knoll, poeta alemão com o seu poema “Colonien”, para adaptá-lo e apresentar aos leitores, a Vila Nesi. Rio Bonito, Vila Nesi, Belvedere, São Donato, Madonna Del Bambim, onde não há divisas demarcadas e a geografia se confunde, enfim, a terra de Aldo Baldin, num retrato do ano de 1963, quando lá vivi a minha infância e Aldo a sua adolescência.


Formoso lugar

Tu, formoso lugar de natureza divina e indescritível, de mulheres camponesas carregadas de beleza; de loiras fascinantes e de morenas exuberantes. Tu, verdejante vale, vós, montanhas cobertas de matas ricas em palmito, cedro, peroba, canela, orquídeas e bromélias; vocês, riachos com agrião e copos de leite, com águas barulhentas que furiosamente descem das montanhas agitadas e aflitas em busca de seu destino final, num ansioso encontro com o mar; tu, brisa refrescante do morro e das verdes colinas que contrastam com o azul do céu, o mesmo azul de meus olhos e das fortes paredes de pedra do Costão da Serra do Doze, como que nos protegendo dos perigos do desconhecido. Tempos da visita dos serranos com suas mulas carregadas de charque, queijo, maçã e pinhão.


Construções centenárias

Vós, construções centenárias de madeiras e de pedras, casas, serrarias, engenhos de cana, paióis e atafonas; paióis sempre abarrotados de feno, espigas de milho, aipim, batata, banana e chuchu; habitações todas repletas de vida, de história, de essência, de recordações, de saudades... de pessoas gesticulando bastante e falando alto; vós, quintais das nonnas repletas de radiche, rúcula, agrião, cana vermelha, aipim e chás para todas as enfermidades; vós, engenhos de cana-de-açúcar que no passado repletos de vida moíam feixes e feixes de cana e hoje moem o silêncio e a saudade; vós, pastos cheios de gado, de ovelhas, de cavalos; há patos, marrecos e gansos nos riachos, dominados pelo agrião e pelos copos de leite; pássaros e aves pelas matas, tatu, gato do mato, gambás, há galinhas no terreiro disputando o ouro dos grãos milho do amarelo marcante; vós, campos e colinas ondulantes com coqueiros, pés de goiaba, laranja crava e com áreas ainda cobertas com vestígios de colheita, resultado do penoso e estafante trabalho da roça carregado de suor e de dores; há minúsculos parreirais e cafezais; há cachorros que seguem os carros de bois que sobem e descem as montanhas com o seu ruído e rugido característico percorrendo caminhos estreitos e sinuosos.


Nonno

Vós, nonnos e nonnas, zios e zias (tios e tias), com seus falares de diversos dialetos passando pelo vêneto, pelo bergamasco, pelo latim, pelo “baieco”, todos se exprimindo em tons excessivamente altos e rápidos. Há vida italiana em abundância no local e por todos os caminhos por onde piso, sinto que o chão pisado é sagrado, chão por onde trilharam e viveram nossos antepassados. Além de pessoas, há santos protegendo o lugar: São Miguel, o Santo Anjo de espírito guerreiro, arauto de Deus, o 1º raio do Senhor, o príncipe dos exércitos celestes; São Donato, protetor dos filósofos, poetas e escritores, o santo daquele do “Eis que no campo do Senhor, duas plantinhas crescem juntas: Donato e Juliano. Um deles se tornará cedro do paraíso e o outro carvão para o fogo eterno”. São Sebastião, santo e soldado da guarda pretoriana do exército romano, cujo nome “sebastós”, significa divino; Nossa Senhora de Lourdes, a grutinha construída por Aldo Baldin e também protegendo o lugar a Madonna Del Bambim, não apenas Madonna do menino, mas Madonna de todos nós. Acrescenta-se São Paulo Apóstolo de Montanhão e Madonna Del Caravaggio em Rio Ferreira.



Na VII Festa Ritorno Alle Origini em 2001- 50 anos da Rádio Marconi, no concurso que envolveu trajes típicos de 21 províncias italianas, venceu a beleza bergamasca. Representando a Província de Bergamo, Renata Nesi Périco foi a escolhida pelo júri no concurso “La Píù Bella Campagnola”.
Na VII Festa Ritorno Alle Origini em 2001- 50 anos da Rádio Marconi, no concurso que envolveu trajes típicos de 21 províncias italianas, venceu a beleza bergamasca. Representando a Província de Bergamo, Renata Nesi Périco foi a escolhida pelo júri no concurso “La Píù Bella Campagnola”.


Cheiro de polenta...

Sinto no ar um forte cheiro de polenta, de queijo branco, de queijo trazido pelos serranos; sinto no ar um forte cheiro de salame, do feijão na minestra, do radiche com vinagre de vinho tinto. Há vozes de “nonnas” rezando diariamente em latim a Ladainha della Madonna, o Pater Nostrum, a Ave Maria, Gratia Plena, sob a luz de uma vela, bico de gás ou de uma lamparina. Vejo nonnas e tias escutando atentamente a Andorinha Mensageira num rádio carregado com carga de bateria. Vejo nonnas torrando café e homens batendo feijão no terreno ou fazendo açúcar grosso no engenho. Vejo jovens com seus chapéus de palha colhendo trigo e arroz de sequeiro. Tem nonnos fumando cigarro de palha com fumo em corda, tem crianças querendo fazer o mesmo. Tem gente jogando bocha no pasto, jogando triunfo ou mora com fortes batidas na mesa. Tem gente fazendo trança com palha de trigo. Amamos este lugar. Esse lugar de “patate tonde e panochi longhi”. E se amamos as montanhas, os montes, as colinas, as altas árvores, a serra e o céu é porque também fomos feitos para um dia se elevar. Enfim, fechamos o retrato desta terra, com o Rio Bonito que desce puro e cristalino, reproduzindo as palavras de amigo Ariati de Treviso que cravou no papel: “Vila Nesi, lugar de rara beleza, verdes coxilhas, nas veias carmim. Casa de Povo Gentil, lar de cultura, Berço de Aldo Baldin.”


Das Piadas

Belvedere já teve fortes geadas e na década de 50, princípios de neve. Em 2011, inserido na programação da Festa do Vinho, a primeira comandada por uma mulher, Iara Martins, no lançamento do livro giallo “Do Parreiral à Taça” retratando a IG do Vinho Goethe, a 1ª de SC e a 3ª do Brasil, houve neve. O frio era intenso e o meteorologista Ronaldo Coutinho, sempre em contato e em sintonia com São Pedro, anunciava possível neve em profusão no Planalto Serrano. Belvedere, no sopé do Costão estava na expectativa de também ter neve. Chuva e ventos gelados era o clima predominante. Os bergamascos na expectativa de ver neve. Isair Bonomi, então, preparou esta cena. Guardião do sino da igreja de São Miguel, ele subiu na torre e com a chuva e o vento, aproveitou o embalo e começou a soltar penas de um velho peneiro e travesseiro dos nonos. A gritaria na Praça de Belvedere foi enorme, com muitos eufóricos parlando alto: “É a neve, é a neve.” Mas não era. Era pena branca de ganso.

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