Caçadores de sapos da Fiuza da Rocha
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  • Foto do escritorJORNAL PANORAMA SC

Caçadores de sapos da Fiuza da Rocha


Por Marcia Marques Costa


Quando falam que sapos faziam parte do cotidiano na Benedetta, afirmo que é verdade.

E eles não faltaram em minha época de adolescente, lá pelos idos de 1960/70, quando residia com meus pais e irmãos na antiga Rua Dr. Fiúza da Rocha, hoje Américo Cadorin em homenagem a esse morador que foi prefeito da cidade e era proprietário de uma Cantina de Vinho na referida via municipal.

Aliás, a rua a que me refiro foi canteiro de muitas lideranças políticas, assunto que, queira Deus, discorrerei em outra oportunidade.

Hoje, atenho-me às lembranças das brincadeiras das crianças e adolescentes de minha época, as quais faziam os joguinhos de videogame de hoje parecerem entediantes.

A começar pelas “tribos” e “cowboys” que, influenciados pelos filmes de western do Cine Vera Cruz, não se intimidavam em construir cabanas no meio do mato, promover caçadas e, por vezes, até guerrinhas com fundas e pelotas de barro para garantir seus territórios.

Jogo de Amarelinha no meio da rua, jogos de futebol no que se chamava “pasto do nono Rosso”, visitas clandestinas ao pomar das freiras no Paraíso da Criança (onde abundavam frutas como peras, caquis, goiabas e laranjas, e também belas surras quando os pais descobriam os furtos cometidos pelo pecado da gula), carretilhas deslizando pela via ainda não pavimentada ou peças teatrais no paiol da residência do seu Franz e da Dona Maria Bez Fontana, estão entre os momentos que guardo com carinho.

Mas, embora os moradores da rua Siqueira Campos, que inicia próximo à sede da Prefeitura Municipal, tenham reivindicado para si o título de Rua do Sapo, a verdade é que sapos e rãs saltitavam e coaxavam em todos os cantos e bairros da cidade.

E, com muita intensidade, também na Baixada Fluminense, onde fica a rua que marcou minha infância.

Crianças, adolescentes e jovens também não faltavam por lá. Na minha casa eram 4, eu e meus três irmãos. À esquerda, os 5 filhos do casal Laís Zanelato e Luiz de Souza. À direita, os três do casal Teresinha Cordini e Valdo Marcelino. Na frente, Dona Nórdia, como era conhecida a esposa de Vangiro De Bona Sartor, também tinha seu meio time de futebol para competir com a farta prole do casal Íria Ferraro e Bruno Piacentini.

A estes somavam-se os filhos de Zeferino De Souza, Orlando Cadorin e muitos outros com sobrenomes como Biz, Cittadin, Damiani, Baptista, Bez Fontana, Fabro (Scampa), Araújo, Maccari, Martins, Denoni, Rosso, Fenili, Minotto, Cechinel e Bastos .

O campeão em número de filhos na rua era o casal Edite De Souza e Jaci Massuchetti, com 11 filhos.

Embora houvesse várias faixas etárias e os interesses fossem diferentes nesses encontros dos moradores, a movimentação na rua era sempre grande nas noites quentes e enluaradas que faziam os sapos brotarem de todos os lados para se deliciarem com as carochas e outros insetos que por lá circulavam atraídos pelas luzes que brilhavam nos postes.

Esverdeados com olhos enormes, pretos ou malhados, sapo-boi, carrascos ou pererecas, eles também viravam motivo de boas gargalhadas quando a rapaziada corajosa lançava este escorregadio e gelado animal nas madeixas de uma amedrontada donzela que, aos gritos, sempre fugia para dentro de sua residência.

Para falar a verdade, embora hoje eu tenha lido que o sapo é um anfíbio que simboliza a purificação, renovação e cura, favorecendo a limpeza e o desbloqueio das energias do corpo e do espírito, naquela época ele era para mim apenas um símbolo de terror que saía do rio atrás de minha residência para subir as escadas e circular entre os ambientes da casa, muitas vezes se escondendo embaixo de algum móvel.

O pavor era tanto que, antes de dormir, eu costumava fazer uma fiscalização para ver se não havia nenhum dentro do meu quarto.

Essa associação ao perigo certamente estava ligada às histórias ouvidas das avós, todas recheadas de exemplos de sapos que cegavam as pessoas ejetando veneno nos seus olhos, ou carrascos que precisavam ser retirados do corpo de alguém com água fervente.

Mas se eu tinha e ainda tenho trauma com sapos, nenhuma dessas histórias amedrontadoras deviam estar armazenadas no cérebro dos rapazes da rua que, em turmas organizadas, saíam para caçar sapos e rãs.

As rãs, geralmente preparadas pelo famoso pintor Bepi Scampa e seus dois filhos, todos de saudosas lembranças, serviam de acompanhamento para a polentada que reunia os garotos da rua de tempos em tempos.

Certa feita, tive oportunidade de comer sem saber do que realmente se tratava. Um presente me foi ofertado: um prato com polenta e carne da rã desfiada.

O objetivo foi pregar uma peça e, como não costumo recusar comida, me deliciei. Mas confesso que o gosto não é ruim, assemelhando-se à carne de frango.

Já os sapos, tinham outra finalidade.

Para quem não sabe, estes pequenos seres eram usados em laboratórios para testes de gravidez e acabaram se tornando uma pequena fonte de renda para alguns meninos que os levavam ao laboratório do Hospital de Urussanga ou vendiam para serem transportados até um laboratório em Florianópolis.

É bom ressaltar que esse procedimento de caça, que tinha também suas regras de controle populacional, não foi o causador do quase extermínio hoje visto.

A diminuição do número de sapos tem origem na degradação ambiental pelos dejetos humanos, poluentes agrícolas, industriais e elementos químicos resultantes da ação extrativista mineral que correm em abundância para os leitos dos rios.

Dessa história, que nos permite reviver a alegria de estarmos em uma grande família em uma das ruas do centro da cidade, e também sentir a tristeza de aquela época nos alertar para o grande desastre ambiental em nosso manancial atualmente, resta a certeza de que os sapos da Baixada Fluminense e os garotos da Américo Cadorin ajudaram a anunciar o nascimento de muitas pessoas, fazendo a alegria de várias famílias em Urussanga e na Capital do Estado. Bons tempos!

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