WILIAN MARQUES
- MARCIA MARQUES COSTA
- 3 de abr.
- 2 min de leitura
Boemia
O boteco é um templo sem religião, um confessionário sem penitência. Nele, a verdade e a mentira se sentam lado a lado, como velhos conhecidos que se cumprimentam sem espanto. Quem chega traz na bagagem suas dores e alegrias, desilusões e euforias, e despeja tudo no balcão como se fossem moedas amassadas, esperando um troco que nunca vem.
Tem um certo tipo de magia nos botecos. Ali a tristeza veste seu melhor sorriso e a alegria, por vezes, se dissolve no fundo de um copo.
Há promessas feitas e desfeitas entre um gole e outro, amores que nascem e morrem antes da saideira, sonhos que inflam como balões, mas sempre encontram um prego no caminho
O bodegueiro, guardião dos destroços humanos, escuta, serve e não julga.
A garrafa é sua confidente, o copo, sua resposta. O dono do bar é mais do que um comerciante, é um sacerdote sem manto, um juiz sem toga, psicanalista sem divã.
Conhece os nomes, os vícios, os desgostos, mas nunca pergunta demais. Sabe que há dores que só o silêncio respeita e alegrias que só um copo cheio amplifica.
No balcão sujo, operários e poetas dividem o mesmo território, empresários falidos, conquistadores solitários, valentes sem honra e filósofos bêbados se tornam irmãos. O álcool dissolve diferenças, iguala destinos, embaralha certezas.
As paredes carregam segredos que não podem ser ditos, pactos informais de confissão e amnésia seletiva. O bar é refúgio para os que fogem do tempo e de si, para os que buscam se encontrar no avesso do mundo.
A boemia dos ébrios e dos sóbrios não é vício, é uma arte. O bar não pergunta sua chegada, tampouco exige satisfações da sua partida.
Ele está ali, sempre de portas abertas, entendendo que a dor e a tristeza precisam de espaço O boêmio não bebe para esquecer, mas para lembrar-se de tudo com uma nova luz, mais leve, mais suportável.
Ele não foge da vida, apenas a encara de outro jeito, num ângulo que só se revela ao terceiro ou quarto gole. E assim o dia e a noite seguem, entre copos que se esvaziam e corações que transbordam.
Quando o bar fecha, a cidade continua seu desfile melancólico, e cada um carrega suas histórias de volta para casa, naquele canto esquecido de mundo, o sujeito é um pouco mais vivo, um pouco mais valente, um pouco mais importante.
Nos bares e botecos, o mundo é menos cruel, ainda que seja apenas por algumas horas...