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WILIAN MARQUES

Mormaço


O cimento morno da entrada de casa parece uma pele cansada do sol de verão. Eu deito ali, a camisa grudada nas costas, mãos entrelaçadas sob a nuca, os olhos pregados no céu.

O fim de tarde se estende como um gato preguiçoso e alaranjado. O vento me encontra, vindo de um canto qualquer, afugentando timidamente o calor com dedos invisíveis e frescos. As palmeiras ao meu lado sussurram segredos indecifráveis. Eu poderia entendê-los, se ainda fosse menino.

Mas a infância se foi, corroída pelo tempo.

Próximo dali, as crianças gritam, correm, caem, levantam, estão em festa. Estão inteiras no agora, sem a menor noção de que o agora um dia será uma lembrança, uma fotografia desbotada na memória.

Passam os carros.

O som dos motores desaparece rápido, gente que tem pressa, que tem destino. Eu não. Eu fico.

Há uma imobilidade quase insolente no meu corpo, um desafio ao ritmo apressado da vida. O concreto é áspero, quente, duro, mas me abraça melhor do que confortáveis sofás e conversas enfadonhas. E aqui, estirado como um pedaço de gente esquecida, lembro de quando o futuro era uma promessa vibrante, e não uma agenda de múltiplas cores, nomes e horários, compromissos, contas a pagar.

Penso no garoto que fui.

Um menino de pés ligeiros, bermudas curtas e sonhos grandes. Imaginava que o mundo era um lugar de aventuras, de descobertas, desafios. Eu seria marinheiro, detetive, cientista, escritor. Tudo cabia nos bolsos fundos da minha imaginação. Mas eu fui ficando pelo caminho, deixando os sonhos presos em gavetas sem puxador, como roupas que não servem mais, livros de letras apagadas.

O vento me achou de novo, mais forte, balançando as palmeiras, varrendo lembranças, talvez arrependimentos.

O cheiro da terra quente traz os ecos de verões passados, tardes de bicicleta, pés enfiados no córrego, histórias inventadas sob a sombra de uma figueira.

A inocência infantil se dissolveu no tempo, mas parte dela ainda me visita nessas tardes em que me deito sem culpa, sem objetivo, apenas para sentir o céu.

Crescer foi um acidente. Talvez a maior mentira seja essa urgência de se tornar adulto, esse abandono forçado daquilo que nos fazia genuinamente felizes.

O menino ainda está aqui, escondido, esperando uma chance de voltar. Às vezes, ele consegue.

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