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WILIAN MARQUES

Domênica

Domingo começa com barulho. Da panela de pressão chiando, da colher de pau batendo firme na borda da frigideira, da chaleira apitando como quem chama pra vida, do toc-toc cadenciado da faca na tábua surrada. Lá fora, o sol morno de outono derrama sua luz sobre tudo. O cachorro late, o gato mia, talvez sobre um osso, ou pelo menos um carinho entre as cadeiras.

Há uma alegria discreta nesses ruídos da manhã de domingo: eles anunciam, sem pressa, que hoje é dia de juntar gente.

No quintal, a churrasqueira improvisada, dez tijolos empilhados, uma grade qualquer, às vezes só espetos tortos, já solta fumaça. Há quem tenha uma de inox reluzente, outras de tijolinhos à vista. Todas, no fundo, aquecem mais do que carne: aquecem as lembranças, histórias e um pouco do tempo. E o sabor, ah, o sabor é sempre o mesmo, carne tostada nas bordas, suculenta por dentro, pingando gordura que faz o fogo chiar como conversa de avó ao pé do ouvido.

Na cozinha, as panelas dançam. É uma coreografia quente, ritmada e aromática. A maionese de domingo, aquela que nunca sai igual, mas sempre deliciosa, repousa na travessa de vidro com flores desbotadas, coberta com plástico filme. Ao lado, a macarronada farta, mergulhada num molho vermelho generoso, escorre entre garfos e risos, a farofa, a salada, todos atores desse grande espetáculo.

As primeiras visitas chegam, com cerveja, vinho e conversa fiada. Falam do tempo, do preço da carne, da novela que virou bobagem, da política, do trabalho. Crianças correm soltas pela casa. Logo vêm as histórias repetidas, contadas com entusiasmo de estreia. Ninguém ousa desmentir o Vô, que jura que a garrafa de bebida recebida de presente tem mais de cinquenta anos. A verdade, ali, é um detalhe sem importância. Entre um gole e outro, passa o trago, de mão em mão, como bênção laica. A avó comenta dos remédios como quem dá notícia séria. As crianças tropeçam, riem alto. O mundo pode estar em crise, mas o domingo, ali, permanece inteiro.

Família é isso, um bando de gente barulhenta, imperfeita, que briga por bobagem e se ama como pode. É no cheiro de fumaça, na maionese um pouco desandada, na alface salgada demais, no latido do cachorro e na história que ninguém acredita, mas todo mundo escuta sorrindo, que mora a mágica.

Porque domingo é dia de juntar panela e afeto, no fogo, no riso e na alma.

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