Desjejum
Fritar um ovo é uma arte. Mas ninguém liga.
A pessoa acorda, e entre um bocejo e outro atira a frigideira no fogo, quebra o ovo sem pensar. Joga sal por hábito. Come sem olhar. Como se fosse só mais um ovo. Como se todos fossem iguais. Mas não são.
O jeito de fritar um ovo revela segredos. O meticuloso espera a manteiga derreter no ponto exato, o óleo aquecer, escuta o chiado delicado da clara tocando a chapa quente, espera a borda dourar sem pressa, até que a gema fique tremelicante, um pequeno sol prestes a explodir na boca. O apressado atira o ovo na frigideira fria, deixando-o deformado, perdido no tempo errado. O desastrado destrói a gema antes da hora, condenando o ovo frito a um ovo mexido. O indiferente sequer percebe o que faz, porque para ele é só um ovo. Só mais um.
E há os que pensam que cronistas e crônicas são todos iguais, pintam apenas realidades floreadas. Que agora até máquina, inteligência artificial faz. Como se fritar um ovo fosse só jogá-lo na frigideira e esperar cozinhar. Como se um texto fosse só juntar palavras e formar frases. Como se qualquer um pudesse falar de Urussanga e sua gente sem sentir o cheiro do café coado, salame e queijo, misturado com lenha molhada, um chinelo frouxo e o som da Marconi. Como se qualquer um tivesse a paciência de ouvir o chiado certo da frigideira ou a coragem de deixar a gema mole, retirando o ovo somente no momento exato.
Mas não.
Porque um ovo bem frito brilha. Gema vívida, clara impecável, perfume de café da manhã bem feito. Assim é uma boa crônica, uma crônica que gruda os olhos na tela, que diz o que tem que ser dito do jeito certo, que não se apressa, não se fabrica, não se força. No fundo, um cronista frita palavras como um apaixonado de verdade frita um ovo: sem manual, sem linha de montagem, sem pressa, sem auxiliar. Com paixão. Frigideira, calor e ovo, papel, alma e inspiração, é o momento.
A inteligência artificial não sabe fritar um ovo.
Pode despejar receitas, listar técnicas, até fingir que entende. Mas não sente o calor da chama subindo pelo cabo da frigideira meio torta, não escuta o estalo seco da casca se quebrando no balcão da pia, não fica ali, em silêncio, esperando o momento exato de virar ou aos mais corajosos, não virar. Escrever também é assim. Não basta conhecer a teoria, ser criativo. Tem que sentir. Tem que errar. Tem que acertar. Tem que ter a ousadia de tratar um ovo com o devido respeito, de provocar, de criar.
O ovo alimenta, e as palavras, também, e isso, as máquinas não nos tirarão...