Foto do vídeo publicado na internet
O professor do departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Waldir Rampinelli, tornou-se personagem muito falado nos últimos dias em todo o estado catarinense.
O motivo? Seu vídeo publicado no canal de notícias do IELA (Instituto de Estudos Latino Americanos), no qual ele critica os poderes legislativo e executivo do município de Nova Veneza, no sul catarinense, por edificarem um monumento para homenagear o imigrante italiano Natale Coral.
Citando depoimentos verbais e livros, entre eles o escrito pelo padre já falecido Monsenhor Quinto Davide Baldessar com o título “Os Imigrantes”, Rampinelli afirma não ser correto homenagear um Bugreiro - que eram homens contratados para matar os índios no início da colonização, afirmando que Natale Coral era um deles.
Fortificando a afirmação do professor Rampinelli, Mons. Agenor Neves Marques, em seu livro História de Urussanga (década de 1980), menciona o nome de Natal Coral como um dos três grandes capitães organizadores de batidas contra os indígenas nos municípios de Araranguá e Tubarão., território de onde se originaram os municípios de Urussanga e também Nova Veneza. Mas essa informação, segundo o próprio Monsenhor Agenor, teve origem nas palavras de Eduardo de Lima e Silva Hoerhann - um carioca bisneto de Duque de Caxias que veio para Santa Catarina como auxiliar de fotografia do SPI- Serviço de Proteção ao Índio e tornou-se um pacificador entre os imigrantes europeus e os índios Xokleng.
Suas fotos e escritos permanecem até os dias de hoje, com suas ações tendo sido evidenciadas mundo afora e mostrando o grave problema existente no Brasil da época.
Rampinelli,aos 72 anos, como professor que teve seu livro “O menino que vê o mundo: confidências sobre os imigrantes italianos” escolhido o ‘livro do ano’ de 2019 na categoria crônicas pela Academia Catarinense de Letras, toma o espaço das redes sociais revelando sua indignação sobre a homenagem feita a Natale Coral, o que ele considera ser um ultraje à memória dos verdadeiros donos da terra- os xoklengs, sugerindo inclusive que vereadores e prefeito façam uma homenagem à Nação indígena exterminada com a chegada dos imigrantes italianos.
Já a família Coral de Nova Veneza contestou as afirmações de Rampinelli e disse que buscará nos meios jurídicos formas de desmascarar todas as inverdades ditas no vídeo postado na internet.
Segundo eles, Natale Coral foi um agrimensor que viveu apenas 20 anos na Colônia Nuova Venezia e não um matador de índios.
Bugreiros - quem eram estes homens?
Por marcia Marques Costa
Quando se fala em ocupação da terra na história da humanidade, é bem fácil encontrar episódios onde a violência e as mortes são os resultados de interesses que vão desde obtenção de riquezas (sejam materiais ou de intelecto) até dominação de povos para ampliação territorial.
Um exemplo famoso vem dos próprios ancestrais dos ítalo-brasileiros, nos poderosos exércitos romanos a dominar o mundo antigo, sob a égide de deuses que não pouparam o sacrifício humano em infindáveis batalhas pelo poder do Império ou da Igreja.
E esses conflitos pela posse da terra, que podem gerar violência e dominação de um povo sobre outro, são tão antigos que até no livro bíblico de Levítico há regras sobre este assunto, com mensagens deixadas nos versículos 23 a 28.
Hoje, com o forte apelo mundial na defesa das minorias, vê-se um sentimento de revolta para com aqueles que, em determinado momento da história, participaram de lutas que levaram povos ao extermínio ou à subjugação. Monumentos são derrubados ou pixados mundo afora, antigos heróis perdem seus postos e a polêmica em torno do assunto torna-se cada vez maior.
E isso não é novo. Na Revolução Francesa, no final do século 18, protestantes derrubaram símbolos da realeza. O mesmo ocorreu após a morte de Joseph Stalin, na ex-URSS, a partir da década de 1950.
Nos EUA cerca de 60 monumentos já foram retirados para evitar confrontos e, no Reino Unido, os protestos antirracistas após a morte do norte-americano George Floyd, no ano passado, acabou com manifestantes derrubando e jogando no rio a estátua de um traficante de escravos em Bristol. Também no ano passado, na cidade de Antuérpia, no norte da Bélgica, foi retirada uma estátua vandalizada do rei Leopoldo II, colonizador do país, em meio à onda de protestos contra o racismo ao redor do mundo.
Não é diferente na sociedade brasileira onde, a exemplo do abaixo-assinado feito em 2020 para derrubada do monumento ao bandeirante escravocata Borba Gato em São Paulo, o sentimento de justiça social se volta ao passado. Nesse julgamento histórico, eis que surge a lembrança da figura do bugreiro em Santa Catarina, agora levado ao fogo do inferno publicamente. Mas, quem foram esses homens? Herois ou bandidos?
Para os imigrantes italianos jogados à própria sorte e esquecidos pela pátria-mãe nas florestas brasileiras, bugreiros eram herois que garantiam suas vidas e a tranquilidade para construir o novo mundo.
Para os indígenas, habitantes nativos que lutaram pelos seus espaços e por suas famílias, bugreiros foram o apocalipse de uma nação que se viu acuada pela força da tecnologia e exterminada pela ganância de governos que, em determinado período, até incentivaram a escravização e extermínio.
Com certeza, o vídeo do professor universitário Rampinelli é apenas o começo de um debate que deve se arrastar nos meios acadêmicos, extrapolar as fronteiras universitárias e gerar muita discussão na sociedade catarinense, em especial a do Sul. Além disso, prenuncia ventos de mudança para a história do Brasil e o modo como ela e seus personagens são apresentados aos alunos em cartilhas e salas de aula.
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