Vivendo no mundo da Lua
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  • Foto do escritorJORNAL PANORAMA SC

Vivendo no mundo da Lua

Por Marcia Marques Costa

Vivendo em uma família que mesclava conhecimentos oriundos de várias etnias, muitas frases marcaram minha adolescência e juventude.

“Varda qua, picolina” me remete ao colo da meiga nona Carmella Bresciani acariciando meus cabelos e oferecendo-me a puxa-puxa que ela tinha feito com o melado presenteado por sua prima de Rio Salto.

“ Figlio d’una putana” já ficava mais para o lado masculino e era usado quando algo dava errado para alguém, podendo ser um acidente de trabalho como o martelo no dedo, uma topada em pedra ou móvel ou, ainda, um acontecimento imprevisto que deixava os descendentes de italianos muito irados.

“Um dia da caça, outro do caçador” era frase muito usada por meu avô Natalino Marques, descendente de portugueses, quando não conseguia fazer algo.

Muitas outras se acumulam em minhas lembranças e, se fosse registrá-las no papel, necessitaria de longas páginas em branco. Mas um detalhe hoje se destaca em minhas memórias. E ele está relacionado a uma frase de minha avó Tilinha, de origem alemã, que falava com frequência: “tem gente de Lua virada hoje!”

Isso significava que a pessoa em questão estava muito entristecida, brava com algo ou, ainda, que estava reclamando sem razão.

Eu não sei nas outras, mas ao falar sobre essa história de frases percebi que na minha família a Lua sempre teve lugar de destaque. Não lembro de ter ouvido algo sobre a influência do Sol ou outras estrelas, mas a Lua estava em quase tudo.

Ela vinha na música que meu avô Dego costumava ouvir na sua vitrola, lá pelos idos de 1960, quando colocava o LP de vinil que havia consumido suas economias, para ouvir a voz do cantor Vicente Celestino interpretando a canção de Cândido Neves que dizia: “Lua, manda a tua luz prateada despertar a minha amada. Quero matar meus desejos, sufocá-la com os meus beijos...Canto, e a mulher que eu amo tanto não me escuta, está dormindo. Canto e, por fim, nem a lua tem pena de mim, pois ao ver que quem te chama sou eu, entre a neblina se escondeu”.

E essa lembrança cria uma imagem única, onde cadeiras com assento em palha eram dispostas defronte à residência de minha avó Lígia, e as mulheres da vizinhança na Praça Anita Garibaldi conversavam enquanto crianças descalças brincavam em grande alarido no meio da rua, nas noites quentes e enluaradas.

Lua era para ser admirada e respeitada.

Diziam que ela exercia forte influência no comportamento das pessoas e se a gente tivesse alguma pendência a resolver com alguém era bom verificar em que fase da Lua se estava. Diziam eles que, com a Lua Cheia vinha à tona a brabeza e a irritabilidade, na Lua Minguante as pessoas ficavam mais calmas, na Lua Crescente não se tinha muita paciência e na Lua Nova era tempo de espera, reflexão.

Saúde era por fase lunar também. Quem, assim como eu, viveu no tempo em que se tomava óleo de rícino, azeite de oliva e sal amargo para acabar com vermes, deve lembrar que este tratamento era acompanhado do famoso colar de alho pendurado no pescoço e só podia ser feito na Lua Minguante para, como diziam os nonos, “não alvoroçar as bichas”. Quando não havia o suficiente para fazer o colar, era preciso tomar o chá de alho e, depois, ficar bem perto do banheiro ou penico quando esta mistura poderosa começava a fazer efeito causando fortes dores de barriga e diarreia.

Enquanto os médicos calculavam por semanas, as nonas contavam os meses de gravidez por luas, sendo que os nascimentos eram calculados pela chegada da Lua Cheia mais próxima de completar os 9 meses de gestação. Mulheres que pariam fora desta Lua sofriam muito nos partos, inclusive correndo risco de morte, diziam elas.

Se fôssemos distraídos ou estivéssemos lembrando de algo distante aparentando ares nostálgicos enquanto a lição de matemática esperava para ser resolvida, lá vinha a famosa pergunta: “ tá no mundo da Lua?”

Mas se estivéssemos acima do peso, não tinha nada dessa coisa de bulling ou de se preocupar com trauma psicológico. A mãe olhava atravessado e dizia bem alto: “chega de comer, pacholona, já tá com cara de Lua!”

Se alguém pensava em se embelezar, lá vinha a Dona Lua ditando regras de novo. Quem não queria gastar muito dinheiro no barbeiro ou na cabeleireira, devia cortar os cabelos na minguante. Para ficar com volume e cabelos mais fortes, só na Lua Cheia. Para crescer rápido na Lua Crescente e, para fortalecer as raízes, devia ser cortado na Lua Nova.

E nada melhor do que uma avó desprovida de talento com a tesoura, mas com muito amor para dar a sua neta, para aproveitar a Lua Cheia colocando-a em uma cadeira e fazendo um corte bem estranho: reto e curto na parte de trás e com franja bem acima das sobrancelhas para não “ estragar os olhos”. Eu que diga o trauma que pode nascer disso. Eu detestava, mas não me era dado o direito à contestação. Achou que era o fim? Pois não é.

Alguém já ouviu o seguinte ensinamento: “pra baixo na Minguante. Pra cima, na Cheia ou Crescente” ?

Pois bem, ele trata de uma técnica agrícola utilizada por muitas pessoas, inclusive os meus familiares.

Quando queriam ter belas cenouras, rabanetes, beterrabas e tudo que desse raízes comestíveis, aguardavam a Lua Minguante para plantar. Roseiras tinham que ser podadas na Lua Cheia do mês de São João, em junho. Para ter radice o ano todo, a semeadura devia ser feita na Lua Minguante do mês de setembro. Já na Lua Crescente ou Cheia, eles costumavam plantar feijão, abóbora, milho, tomate e outras plantas que produzem da terra para cima.

E não era só minha família que observava os ciclos da lua. Também aqueles que trabalhavam com o corte de árvores para produzir tábuas, tinham o cuidado de saber em que Lua estavam antes de tocar o machado na planta.

Isso porque, se derrubada em lua errada, a madeira resultante logo ficaria bichada (infestada por insetos), a exemplo do cupim.

E quem vai duvidar da sabedoria de homens que calculavam metro cúbico sem ajuda das modernas calculadoras eletrônicas? Eu, com certeza, é que não.

Havia até quem fizesse previsão meteorológica com base na Lua.

Minha saudosa mãe Rita costumava olhar para a Lua e dizer: “círculo perto, chuva longe. Círculo longe, chuva perto!” Ela estava me repassando um conhecimento adquirido de seus pais e avós, os quais, sem entender os fenômenos climáticos pelas teorias da ciência, faziam da comprovação o seu guia.

E havia, também, certo temor em deixar roupas no varal à luz do luar, pois acreditava-se que energias não positivas se armazenavam nas peças estendidas.

Quem quisesse ficar com as mãos cheias de verrugas, diziam os nonos, era só apontar para a Lua e ficar contando os “buracos” que via nela.

Havia na Lua, algo que nos encantava a ponto de associá-la aos mais nobres sentimentos de amor, lealdade, espiritualidade e gratidão.

Ao mesmo tempo, havia um misticismo rondando as conversas e fazendo com que o brilho intenso da Lua Cheia evidenciasse o temor de forças ocultas e seres sobrenaturais, com lobos uivando e fantasmas assustadores sendo os personagens principais das histórias contadas por familiares ou amigos.

Crendices? Imaginação fértil? Falta de conhecimento científico? Teorias baseadas na experimentação?

Seja o que for,ou não for, é muito bom olhar para a Lua e lembrar dos tempos em que essas pessoas simples usavam esse satélite para orientar suas próprias vidas e sabiam, mesmo sem toda a parafernália e tecnologias hoje existentes, a enorme influência que ela tem no nosso planeta. Afinal, protetora ou bruxa má, ela, a Lua, continuará fascinando por sua beleza e se infiltrando em pensamentos que, divulgados ou não, lembrarão de pessoas que foram o mundo de alguém em alguma época.

E que eles, os pensamentos, sejam felizes.

Assim como os meus.

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