O DIA QUE DOM PEDRO CAIU DO CAVALO
POR MARCIA MARQUES COSTA
No momento em que o Brasil é sacudido por manifestações no Dia da Independência e milhões de pessoas deixaram suas casas para levar o verde e amarelo às ruas no último 7 de Setembro, lembranças dos velhos tempos se destacam em meus pensamentos.
Talvez por ter crescido em um período em que o governo brasileiro era militar, o civismo foi marca forte em minha vida.
Afinal, eu tinha apenas 6 anos de idade quando o Regime Militar iniciou no Brasil em 1964 e já estava com três filhos e com 27 anos quando ele acabou em 1985.
Portanto, no meu tempo de escola, bons costumes, responsabilidade e amor à Pátria não eram somente palavras exaltadas em discursos políticos partidários.
Aprendíamos em casa e na escola a respeitar os símbolos nacionais, os professores, as pessoas mais velhas...
Também a seguir as regras que visavam o bem estar de todos, como dar bom dia, boa tarde e boa noite, ajudar pessoas com dificuldades, ceder o assento para os mais velhos ou senhoras grávidas e, ainda, a valorizar a família, a comunidade e o trabalho.
Ninguém passava de série sem merecer e sem estudar muito para isso e, em hipótese alguma, um aluno da rede escolar teria coragem de levantar de sua cadeira para bater em professor como acontece atualmente.
No Colégio em que estudei, o Rainha do Mundo, as freiras Beneditinas exigiam média final de 7,5 pontos para passar de ano. Elas eram rigorosíssimas!
Hoje, eu as agradeço por isso. Seus ensinamentos deram-me a habilidade de enfrentar as adversidades sem esmorecer, e sempre acreditando que há um caminho para tornar a vida melhor.
Os ensaios
Quando chegava o agosto, que chamávamos de mês do cachorro louco, já iniciava a saga para o desfile de 7 de Setembro.
As mamães começavam a preparar as roupas para os filhos que iriam desfilar em pelotões especiais, às vezes representando profissionais da saúde, índios, escravos ou personagens da história brasileira.
Até covers da Princesa Isabel e Dom Pedro desfilavam pelas ruas da nossa Benedetta.
Os integrantes das bandas que animariam o desfile e dariam o tom para a marcha, reuniam-se com bastante frequência para harmonizar o som e era normal os rapazes levarem as cornetas para casa.
Os familiares e vizinhos que aguentassem o estridente som da corneta, enquanto o jovem aprendiz se esforçava para fazer bonito no desfile.
Ser a baliza a marcar o compasso era o sonho de muitas meninas, e ser um dos integrantes da chamada “banda” era motivo de orgulho. Os que não pertenciam a pelotões especiais, tinham a obrigação de mostrar sincronia nos passos e postura altiva.
Para isso, treinos eram feitos durante o horário de aula, substituindo a educação física para desfilar pelas ruas próximas ao colégio.
Ainda é bem viva em minha memória a voz da professora de educação física, Iva Damian, a dizer: “Postura! Peito para frente, cabeça levantada! Braços esticados! Esquerdo, com força! ”
Lá íamos nós batendo forte os pés no chão, e fazendo ecoar, no silêncio de uma cidade interiorana, o som do desejo de uma bela homenagem à Pátria.
Os desfiles
Na véspera do desfile, as mães colocavam as roupas de seus filhos em locais que pudessem facilmente se arrumar. Na minha, ficava sobre o sofá da sala.
A imagem da saia marrom, camisa branca e o sapato preto com a meia branca esperando por mim, ainda me emociona por significar o amor de meus pais, sua dedicação e preocupação com meu futuro.
E, acreditem! A maioria dos anos era bastante frio no dia 7 de Setembro, houve até geada em alguns anos.
Tinha que ser forte. Não havia outra alternativa.
Principalmente o pessoal que fazia a alvorada e iniciava a saga de acordar a população ao som de cornetas e tambores às 6h.
Os demais, tinham que estar na rua do escritório da companhia carbonífera conhecida por Minerasil, próximo ao hospital, até às 7h30min.
E pensa num frio que vinha com o vento e passava na camisa, feita de tecido fino e incapaz de conter o calor do corpo, enquanto aguardávamos o início do desfile.
Mas a recompensa era boa: no dia seguinte não tinha aula. Às vezes, porque nem sempre dava certo.
Outro ponto que merece destaque era a tristeza que se abatia quando a semana do desfile era chuvosa. E, embora digam que agosto chove menos em Urussanga, muitas foram as vezes em que as roupas preparadas para o desfile tiveram que esperar pelo próximo ano.
Casos cômicos
Embora a austeridade fizesse parte do nosso cotidiano escolar, era difícil demais conter o espírito brincalhão da nossa gente, o qual sempre se fez presente.
Um que merece destaque está relacionado a integrantes das bandas.
Alguns arteiros, entre eles o diretor deste semanário e meu marido Sérgio Costa, adquiriam rojões e foguetes para atirar em residências de amigos e, também, próximo ao dormitório das freiras na madrugada do dia Sete de Setembro, com o objetivo de acordar a todos. É bom registrar que as irmãs Beneditinas residiam no Colégio Rainha do Mundo.
Outro fato que lembro parcialmente, pois não sei o ano e nem quem foram as pessoas envolvidas, foi o caso de um caminhãozinho todo enfeitado que estava estacionado ao lado da residência de minha avó Lígia, na Praça Anita Garibaldi, na antiga rua ao lado da agência do Bradesco. Aconteceu que, na hora de entrar no desfile o motor simplesmente morreu, deixando o motorista e integrantes desesperados. Final da história: os covers de Princesa Isabel, Dom Pedro e de escravos tiveram que deixar tronos e troncos colocados na carroceria do caminhão para trás e desfilar a pé.
Mas nada se compara ao tombo do Imperador debaixo da figueira da Praça Anita Garibaldi. Também não lembro com exatidão o ano, mas por muito tempo o assunto foi comentado. Para quem não viveu na época, deixo registrado que era normal as escolas apresentarem o momento da Independência do Brasil. Assim, houve várias gerações de Dom Pedro em Urussanga. Um deles, lamentavelmente, não conseguiu representar o feito de livrar o Brasil das mãos dos portugueses. Diz a lenda que ele chegou trajado com toda a imponência esperada de um imperador, cavalgando com o estilo da realeza em direção ao palanque das autoridades, próximo da figueira no chafariz.
De repente, quebrando o silêncio do momento, o bumbo da banda soou alto assustando o animal. Não deu outra: o cavalo empinou balançando a crina ao vento e o herói, que não esperava essa reação, foi por terra. Felizmente, o cavaleiro não teve graves ferimentos e o episódio ficou conhecido em toda a região. Muitos diziam que em Urussanga, se aparecesse um Dom Pedro ditando regras, derrubavam do cavalo.
Bons tempos. Boas lembranças. E as suas, quais são?
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