No final de década de 1930, quando Getúlio Vargas instaurou o Estado Novo, ou Terceira República Brasileira, a vida dos imigrantes passou a ser bem mais difícil.
Caracterizado pela centralização do poder, nacionalismo, anticomunismo e por seu autoritarismo, a Era Vargas destruiu grande parte da própria história da imigração.
Isso porque ser imigrante acabou se transformando em uma afronta ao desejo do governo federal da época em construir uma identidade nacional brasileira.
Sendo assim, leis foram criadas dificultando aos estrangeiros a compra de imóveis e aumentando as exigências para abertura de comércio e indústria.
Numa primeira fase, em 1938, a campanha abordou a nacionalização do ensino, com a obrigatoriedade de as escolas terem nomes brasileiros e só brasileiros natos podiam ocupar cargos de direção. Os professores deviam ser brasileiros natos ou naturalizados graduados em escolas brasileiras e as aulas deviam ser ministradas em português. O ensino de línguas estrangeiras era proibido para menores de 14 anos, bem como não era permitida subvenção proveniente de governos e instituições estrangeiras.
Em 1939, novas medidas foram implementadas, como a proibição de se falar idiomas estrangeiros em público, inclusive durante cerimônias religiosas. As associações culturais e recreativas tiveram de encerrar todas as atividades que pudessem estar associadas a outras culturas.
E, para azar dos urussanguenses, a grande maioria nascidos na Itália ou filhos dos que tinham vindo daquele país, estas leis e a atuação dos representantes do Governo Federal em Urussanga se encarregaram de criar uma grande insegurança entre as famílias que se cumprimentavam com um Buon Giorno e mostravam sua raiva com um sonoro Porco Can.
Em 1942, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, foi intensificada a repressão às nacionalidades ligadas às Potências do Eixo: alemães, italianos e japoneses. Foram anunciadas restrições às liberdades individuais com a necessidade de autorização para viajar, apreensão de livros, revistas, jornais e documentos, com destruição de parte da memória histórica da imigração e eventual prisão daqueles que não falassem português.
O Padre infrator
Quando o presidente Getúlio Vargas foi forçado pelos EUA a entrar na guerra contra o Eixo e seu particular amigo Mussolini, as investidas contra alemães, japoneses e italianos subiram às raias da violência, com estabelecimentos sendo depredados e descendentes destas etnias sendo discriminados por aqueles que se consideravam natos em terras conquistadas sobre sangue indígena. Urussanga não ficou fora desse contexto.
Segundo depoimento de Armando Bettiol, em 1942 o delegado Joaquim Cavalheiro Mendes deixou o cavalheirismo de lado e fez cumprir as determinação governamentais à risca.
Naquela época, os imigrantes que era chamados de colonos, saíam de suas comunidades e vinham participar da missa no centro da cidade com o pároco Luigi Gilli.
O delegado, recém-chegado, resolveu assistir a cerimônia religiosa. Percebeu então que o padre rezava em outra língua que não a portuguesa.
Esperou a missa acabar e deu voz de prisão ao Padre Gilli. Sem se impressionar com a atitude do delegado, Padre Gilli, que já havia sido preso na alfândega no Rio de Janeiro quando retornava da Itália com os sinos da torre, na década de 1920, pediu que se chamasse o prefeito.
Foi então que o prefeito Zeferino Búrigo explicou ao delegado que o Padre não estava rezando em italiano, a língua do arqui-inimigo dos Aliados e, sim, em latim.
Padre Gilli pode, então continuar a rezar em latim, mas os colonos que vinham assistir a missa começaram a ser presos.
O delegado, que até hoje se tem dúvida se não sabia o que era latim ou se era esperto o bastante para não criar encrenca com o padre e o prefeito, chegava perto dos homens que vinham a missa e dizia: Bom dia!
Numa forma quase que instintiva, os italianos respondiam: buon giorno!
Era o suficiente para serem presos por desobedecerem às leis. Eram levados para a prisão que ficava na Av. Presidente Vargas, e só saíam de lá após os familiares pagaram a multa de cinco mil réis.
Isso normalmente acontecia no período da tarde ou na manhã seguinte, tempo para que a família retornasse às residências para buscar o dinheiro.
“A primeira vez foram quase 50, 60 pessoas presas. Encheu a cadeia.
Depois daquele dia os colonos quase nem vinham mais a missa com medo, porque cinco mil réis era muito dinheiro. Mas sempre tinha alguém que esquecia da Lei e ia pra cadeia, para ser solto depois de pagar a multa” explicou Armando.
Licença para ir a Criciúma
Se hoje a Covid-19 vem impondo medidas de isolamento da população, no período da Nacionalização as pessoas necessitavam de um “salvo conduto” para poder sair de suas cidades.
“A gente tinha que ir na delegacia e pedir para o delegado um documento, que era chamado de salvo conduto, para poder sair de Urussanga. Mesmo que fosse para ir só até Criciúma com o caminhãozinho do seu Paulo Zanellato. Todos tinham que ter este documento, o qual tinha validade de seis meses”, explicou Armando Bettiol, o urussanguense que viveu estes tempos de imposição nacionalista sendo descendente de imigrantes italianos.
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