
Epagri lança sob a coordenação do engenheiro agrônomo Emílio Della Bruna, no próximo dia 28, às 16h, na Estação Experimental de Urussanga, uma publicação destinada especialmente aos produtores de uva Goethe e do vinho feito a partir desta variedade.
Foi com ele, Emílio Della Bruna, que a reportagem de Panorama SC conversou esta semana e conta, neste espaço, um pouco do trabalho e história desta uva que é parte do conjunto de nossas raízes e que tem garantido, ao longo de mais de um século, o título primeiro de Terra do Vinho e mais recentemente a Terra do Bom Vinho.
Segundo nosso entrevistado, o Livro Manual de Produção da Uva Goethe é uma publicação que visa ser o instrumento de trabalho para todos que produzem este tipo de uva que tem sua indicação geográfica bem como o próprio vinho.
Confira a seguir, trechos da entrevista com o autor da obra.
ENTREVISTA

Panorama: Por que é importante um manual para o Goethe após a conquista da IG ?
Emílio: O vinho com Indicação Geográfica é regrado por um protocolo de produção, e é isso que esta publicação trata. Abordando não só a condição da prática do dia a dia, mas traz referência sobre a origem da uva, clima da região, como trabalhar os locais específicos, tipos de terrenos, relevo e solos nos quais se pode plantar a uva, ainda o preparo dos locais de plantio, adubações, forma de plantio, de condução dos parreirais além das práticas de podas e as doenças e pragas as quais a Goethe é susceptível. No capítulo final, a publicação trata especificamente da produção do vinho, numa abordagem bem geral sobre o que até hoje se conhece quanto a produção da Uva Goethe com as mais recentes novidades tanto na produção da uva quanto do vinho.
Passa a ser, sem dúvida, uma publicação que se insere como manual para todos os vitivinicultores da região.
Panorama: Quem são os autores desta publicação?
Emílio: Tenho sob minha responsabilidade a organização e escrevo quatro capítulos. Mas são oito autores, cada qual escrevendo sobre sua área de atuação. Com pouco mais de 100 páginas, o Manual coloca, de forma bem ampla, tudo o que se relaciona a esta uva que a cada dia ganha maior atenção e destaque por ser única e, desta forma, não concorrente em termos de mercado aos demais vinhos e suas variedades.
Panorama SC : Como os interessados poderão ter acesso a este Manual, caso tenham interesse?
Emílio: Basicamente, a publicação propriamente dita, impressa em papel, não tem uma tiragem grande, sendo esta versão destinada às bibliotecas, produtores e principais lideranças do setor do vinho da região. O que será disponibilizado a toda a sociedade é o arquivo (cópia digital), que poderá ser obtida através do acesso ao Portal das publicações no site da Epagri ou, se for o caso, poderemos enviar via e mail.
Panorama SC : Como surgiu a ideia deste Manual?
Emílio: Em relação à publicação, ela é fruto de um trabalho de pesquisa que vem sendo feito nos últimos 21anos e os conhecimentos, experiências e as informações geradas neste período estão todas contidas nesta publicação : o Manual de Produção da Uva Goethe.
Vale destacar que o Manual na verdade é um resumo de uma grande publicação feita no ano de 2014, mas que houve um problema, pois, a Direção da Epagri não quis de nenhuma forma fazer a sua publicação. Felizmente, a atual direção da Empresa assumiu o compromisso e aí está o resultado prático e, digamos, final, do trabalho de publicação. Na publicação anterior havia uma parte bastante grande do engenheiro Sérgio Roberto Maestrelli, o qual acabou publicando o livro à parte. Agora, o que se está colocando à disposição é basicamente as tecnologias de produção da uva e do vinho.
Panorama SC: Com seu conhecimento e experiência mesmo sabendo-se que romanticamente a uva Goethe é sucesso, o que o senhor pode acrescentar em termos mais técnicos e mercadológicos?
Emílio: Na verdade, o vinho Goethe é um produto único, não se pode comparar com nada. Ele simplesmente é diferente no mundo do vinho em termos de outros produtos. Não se pode comparar se é melhor ou pior que outros vinhos, quer sejam os nacionais, do Chile, italianos, franceses e assim por diante.
O Goethe tem uma característica única, é daqui. Exatamente por ser assim é que temos sua indicação geográfica. É um mercado que, na minha avaliação, deve estar direcionado ao setor turístico, aonde as pessoas venham e aqui provem o vinho, vão certamente gostar, passando a consumir e voltando e assim fechando o ciclo de comprar, degustar e acabar voltando. Eu diria, sem medo de errar, que é um vinho não para gôndola de supermercado sob o prisma de estar concorrendo com vinhos argentinos, chilenos e italianos, mas único, e aí que se deve trabalhá-lo como patrimônio nosso e cujo futuro a gente sabe que, ao produzí-lo e aprimorá-lo vamos ter muitos benefícios como ferramenta para alavancar o turismo e, consequentemente, a economia.
Aqui, são pequenos produtores que trabalham a cultura da uva e do vinho e é isto que temos que incentivar. Temos que fazer as pessoas irem às vinícolas, conhecerem o modo de produção e degustarem. A partir daí vai se criar um mercado sólido com pessoas confiáveis, que continuarão a consumir este tipo de vinho, digo: único.
Panorama SC: Qual a área plantada hoje e qual a perspectiva de futuro para a uva Goethe?
Emílio:Na Região dos Vales da Uva Goethe existem aproximadamente 300 produtores e, destes, uma média de 50 produzem uva Goethe.
O preço médio da última safra variou entre R$ 2,50 a R$ 3,50. Considero ainda muito pouco, dado o potencial. Acredito que é importante as vinícolas incentivarem o aumento da área plantada garantindo, através de parcerias, a compra da uva produzida já que ela não será vendida ao mercado do consumo in natura e nem poderá ser exportada, já que não é a sua vocação.
Atualmente existe mercado para a uva Goethe dada a pequena quantidade sendo produzida para uma necessidade de industrialização bastante grande, mas mesmo que as áreas de plantio estejam sendo ampliadas de forma tímida é um indicativo de que estamos caminhando e no rumo certo. É bom lembramos que é difícil um produtor decidir pelo plantio de um, cinco ou dez hectares se não tiver uma garantia de compra em virtude das características da uva, que logo estragam. Creio que cabe, portanto, às vinícolas o interesse maior em ter um produto de qualidade e que possam também, em tese, contar anualmente com o volume de matéria prima da qual são dependentes.
Panorama SC: A Região tem o IG, mas este tipo de uva pode ser produzido em outras regiões com clima e relevos semelhantes ao nosso?
Emílio: Sim, pois é uma cultura que se adapta, a exemplo de sua origem lá pelos idos de 1870 quando se começa a ter registros desta variedade e muito longe de Urussanga, em outro país. Ressalto, no entanto, que a qualidade pode apresentar características próprias deste ou de outros locais, quando você coloca o plantio em áreas muito frias a exemplo da Serra Gaúcha ou mesmo a Serra Catarinense, o produto apresenta alta acidez prejudicando a produção do vinho.
Nós aqui estamos no lugar certo e no caminho certo.
Para Urussanga a uva Goethe é importante, virou um símbolo, assim como para Azambuja. Somos referenciados pela uva Goethe e este filão de mercado e da tradição não pode e não deve ser desprezado.
Muito pelo contrário, pode-se perfeitamente ter uma atividade rendosa em todos os sentidos, é só empreender e aproveitar o que temos como ferramenta importante.
SAIBA MAIS
Transcrição do Manual de Produção da Uva Goethe
Parte do capítulo escrito por Stevan Grützmmann Arcari
O vinho e a uva Goethe no sul de Santa Catarina
Em Santa Catarina, antes do advento da colonização italiana, a videira figurava como planta de quintal nas vilas litorâneas, com registros de pequenas produções de vinhos, que tiveram um pequeno aumento com a fundação das colônias alemãs.
A partir da fundação das primeiras colônias italianas o cultivo da videira e a produção de vinho passaram a aumentar no Estado. Relatórios do Ministério da Agricultura escritos nas décadas de 1930 e 1940 citam que a cultura da videira estava presente desde o início do povoamento da Colônia Azambuja e que, ainda em 1878, Adão Ceron cultivava videiras em Rio Carvão e as famílias Burigo e Bortoluzzi em Rancho dos Bugres.
Em 29 de março de 1881 o diretor da colônia Azambuja enviou amostras de vinho para análise das autoridades do Estado na capital. As amostras eram identificadas como produzidas pelos colonos “Mancaloce” e “Fornazza”, sendo provavelmente este o primeiro registro oficial da produção de vinho na Colônia Azambuja. Relatos desta época citam a presença das uvas Isabel e Clinton na região.
Quanto à introdução da variedade Goethe na região é difícil precisar quando aconteceu. Na colônia era comum que as uvas ganhassem apelidos, sendo muito comum denominar as uvas pela coloração de sua película quando madura. O cultivo de uvas
brancas na região vem do início da colonização, mas não é possível afirmar a partir de que momento o termo “uva branca” poderia se referir à variedade Goethe. Alguns historiadores atribuem ao agente consular italiano Giuseppe Caruso MacDonald a introdução da uva Goethe, através do viveiro do italiano Benedito Marengo, que a partir do bairro de Tatuapé em São Paulo disseminou diversas variedades de uvas por todo o Brasil. Outros dizem que
a Goethe teria chegado à antiga Colônia Azambuja pelas mãos dos colonos que foram trabalhar em construções de estradas em outras regiões.
A década de 1910 marca a consolidação do vinho branco de Urussanga no mercado nacional, com o surgimento das primeiras vinícolas de porte industrial e a conquista de importantes pontos de venda nas principais praças do país. A grande circulação deste
produto na capital federal garantiu a abertura de uma subestação de enologia do Ministério da Agricultura na cidade de Urussanga em 1942; mesmo que na época alguns técnicos apontassem a diminuição do plantio de uva na região em virtude do avanço da atividade mineradora.
O Relatório de Atividades do Ministério da Agricultura de 1946, no capítulo sobre a viticultura, ao tratar dos trabalhos da Subestação de Enologia de Urussanga, cita a uva Goethe dizendo que ela mostra uma adaptação perfeita da planta ao meio, tendo adquirido
características típicas que imprimiu aos vinhos da região; confirmando ser a variedade oethe a base do afamado vinho branco de Urussanga; que seguiria sendo reconhecido por sua qualidade, embora ao longo dos anos sua produção diminuísse muito, ficando
restrita a produtores artesanais e pequenas vinícolas.
Em 2012 o INPI publicou o registro da Indicação de Procedência Vales da Uva Goethe, que foi a primeira indicação geográfica registrada em Santa Catarina e a primeira do setor vinícola brasileiro exclusiva para os produtos de uma única variedade de uva.
Atualmente a uva Goethe experimenta um constante aumento na sua produção no Sul Catarinense, alicerçado na fama de ser um vinho único e típico da região.
Mutações locais da uva Goethe
Conforme relatado por Sérgio Maestrelli, por volta dos anos de 1920, nos parreirais da família Nichele, em Urussanga, surgiu uma mutação da Goethe que produzia uma uva com cachos maiores, menos avermelhados e que dava vinho com menor acidez. Essa uva foi multiplicada pela família Giraldi em Azambuja, que ficou famosa com seu vinhedo da “Nova Goethe”. Na década de 1960, o viticultor Primo Giraldi difundiu a variedade entre outros produtores de Azambuja e o novo clone ficou conhecido como “Goethe do Primo”.
Depois de estudar e recomendar o cultivo, a Epagri registrou este clone no Registro Nacional de Cultivares do Ministério da Agricultura como “Goethe Primo”.
Na década de 1960, nos vinhedos de Fernando Della Bruna, na localidade de Azambuja, surgiu outro clone da uva Goethe, ainda menos ácido do que a Goethe Primo e sem a presença do tom avermelhado mesmo na uva madura. Devido a sua coloração
translúcida, esta uva, ao ser difundida na região, passou a ser conhecida como “Goethe Cristal”, nome que foi oficializado no Registro Nacional de Cultivares pela Epagri.
DO PARREIRAL À TAÇA

O primeiro livro versando sobre a história da uva e produtores de vinho em Urussanga foi lançado no ano de 2011, durante a abertura da XII Festa do Vinho, na noite do dia 4 de agosto.
Com a presença do então prefeito Luiz Carlos Zen, Secretário de Estado da Agricultura Enori Barbieri e do presidente da Epagri- Luiz Hessman, o engenheiro agrônomo e escritor Sérgio Roberto Maestrelli preencheu a lacuna existente na história da cidade que tem o título de Terra do Bom Vinho, com sua obra “Do parreiral à taça”.
Passados 10 anos, Epagri lança o “Manual de produção da uva Goethe”, contendo os trabalhos dos engenheiros agrônomos: Eduardo Hickel, Luiz Augusto Martins Peruch, Mauro Bonfim Júnior, Álvaro José Back, Márcio Sônego, Stevan Grutzmmann Arcari, Emilio Della Bruna e Henrique Belmonte Petry.