HISTÓRIAS DA BENEDETTA
Por Marcia Marques Costa
É gratificante saber que o nosso trabalho desperta sentimentos bons em outras pessoas.
Seja estimulando a lembrança de momentos da adolescência ou juventude junto aos familiares e amigos, seja na alegria de conhecer alguma trapalhada que ganhou seu espaço na história.
E fatos engraçados é que não faltam por aqui.
Esta semana, vou relatar alguns que tomei conhecimento através do amigo Armando Bettiol e também outro que vi acontecer. Vamos lá.
Dinheiro com máquina de torresmo
Embora o nome do personagem não possa ser mencionado, é preciso registrar o caso do talento urussanguense que foi “esmagado” pelas mãos da Justiça ainda na década de 1940.
Acontece que um proprietário de estabelecimento comercial que também servia lanches e que tinha como clientela as altas autoridades da época, como juiz, promotor e delegado, gostava muito de produzir peças artesanais. Tanto em madeira quanto em cobre ou bronze. O dito cujo tinha até um local especial, o qual ficava no porão da residência.
Certo dia, olhando para uma moeda de mil réis, o artesão se entusiasmou e resolveu criar um molde para fazer uma cópia. Passaram-se dias até que ele conseguisse a perfeição desejada, e a sua criação da moeda de mil réis finalmente ficasse do seu agrado.
Feliz demais, o comerciante artesão subiu correndo para o local onde o juiz e o delegado estavam tomando café e, todo entusiasmado, mostrou o grande feito dizendo:
-Doutor, olha só o que eu consegui fazer! Veja que coisa bonita ficou!
Com toda calma que se espera de um magistrado, o juiz olhou para o homem e disse:
-Nossa, como você conseguiu fabricar moeda assim perfeita? Pode me mostrar a máquina?
Achando que estava agradando e fazendo sucesso, o dito artesão foi até sua oficina e pegou a parte da máquina de prensar torresmo que ele adaptou a forma da moeda na ponta para cunhar o cobre, e levou para o juiz ver.
Com a máquina em suas mãos, o juiz olhou e disse:
-Eu vou ficar com a moeda e a máquina. E só não vou te prender porque sei que és um bom homem, tão inocente que veio me mostrar a moeda copiada. Mas produzir dinheiro é crime! Então não faça mais!
E foi assim que mais um talento da Benedetta sucumbiu às regras sociais e o futuro econômico se fragilizou,com a filial da Casa da Moeda sendo fechada em Urussanga.
Faz tempo que não vejo
Diferente dos dias atuais, nos quais sexo e opções sexuais são assuntos amplamente divulgados e conversados com muita naturalidade, lá pela década de 1950 isso era assunto proibido.
Bem verdade que todo o pudor existente devia se desfazer entre quatro paredes, onde os hormônios agindo na escuridão da noite sempre acabavam se revelando em numerosos filhos por casal. Publicamente, no entanto, o recato era regra social.
Na igreja as mulheres não podiam ir com vestidos decotados, curtos ou sem mangas e, como complemento, deviam usar um véu sobre a cabeça.
Mas havia também quem não estava nem aí para as convenções sociais e colocava a necessidade física em primeiro lugar.
Um deles era o proprietário de um famoso empreendimento familiar em Urussanga que, acometido de problemas urinários em virtude do uso de medicação, não exitava em puxar seu bigolin para fora das calças onde quer que estivesse, quando ficava apurado para fazer xixi. Bem verdade que ele procurava algo para se esconder, mas nem sempre dava certo.
Certo dia, fazendo xixi virado para um pequeno arbusto, ele ouviu alguém passar ao seu lado e dizer:
-Nossa que vergonha! Vi seu bigolin! Vou contar pra sua mulher o que o Senhor anda fazendo!
Foi então que o infrator da moralidade urbana disse:
-Oh, filho! Pode contar, mas se antes quiser dar um alô pro meu bigolin agradeço, pois faz tempo que não o vejo; disse o bem humorado urussanguense que estava impedido de ver seu órgão genital em virtude do resultado da mesa farta em sua saliente barriga.
O palmitinho do Coso
Desde que viemos morar na Avenida Presidente Vargas, na década de 1990, sempre procuramos manter um relacionamento cordial com vizinhos. E cordialidade entre descendentes de italianos significa trocar coisinhas boas para serem preparadas ou imediatamente degustadas.
Assim, quando alguém tinha um radice novinho presenteava o vizinho que não tinha, recebendo em troca qualquer outro alimento.
Nesta lista, incluo o saudoso Dionísio Damiani a nos presentear com suas uvas cultivadas na avenida central da cidade e sua esposa Olga que, aos domingos, lembrava de enviar os deliciosos bolinhos de aipim que ela preparava para o almoço.
Ainda, a querida Glória, esposa do seu Lúcio Ghisi, que nunca esquece de enviar caquis ou figos do seu pomar.
Esse é um carinho que não tem preço e muito nos emociona. Assim como nos emocionava o personagem destaque desta semana, alguém que deixou muita saudade.
Não só para mim e minha família, mas para todos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo, se alegrar com suas piadas e sentir o amor que tinha por Urussanga.
Falo de Antônio Fornasa.
O Toni, popularmente conhecido por Coso.
Para quem não sabe, Coso é uma palavra que , na gíria italiana, significa Cara. Ou seja, uma pessoa que a gente conhece mas que, infelizmente, esqueceu o nome enquanto conversava.
Pois bem, o Coso e meu marido Sérgio sempre trocavam gentilezas. Um presenteava com doce e o outro com cachaça, um levava queijo e ganhava vinho e assim a vida seguia. Normalmente, embora já existisse telefone fixo e também celular, Toni e Sérgio se comunicavam pela janela da parte de trás dos prédios. Um gritava de um lado, e o outro respondia no mesmo tom.
No meio e nos lados, todos os demais vizinhos ouvindo.
Aconteceu que, certa feita, o Toni ligou para minha casa e disse:
-Avisa “prro” Costa que vou aí leva um “palllmitinho”. Mas tem que faze bem “ligerrrinho”, “iscundidinho” né! E eu respondi:
-Sim Toni, mas o Sérgio não está agora. Eu aviso pra ele.
E ele retrucou:
-Tá bom então, vou mais tarde, mas fala “prra” ele fica “esperrando”, completou Toni com sua fala sempre alongando a letra “l”, comendo o “r” em algumas palavras e carregando com força em outras.
As horas passaram, o Sérgio retornou para casa e eu avisei que o Toni iria trazer palmitos de presente.
Foi aí que o inesperado aconteceu.
Três homens desconhecidos entraram na redação do Jornal, que na época ficava no andar térreo do edifício, e começaram a perguntar se tínhamos arquivos com matérias sobre meio ambiente em Urussanga e Região.
A princípio pensamos tratar-se de algum trabalho para universidade, pois é normal recebermos estes pedidos de universitários. Mas não era nada disso, tratava-se de três policiais da Polícia Ambiental que estavam à paisana e queriam informações sobre um caso ocorrido em Urussanga, caso este em que estavam sendo comercializados ilegalmente palmitos em conserva.
E adivinhem quem apareceu com sua possante caminhonete e estacionou ao lado da redação do jornal, chamando bem alto o Sérgio?
Sim, o Toni!
Descendo do veículo, ele abriu a parte traseira, tirou os três palmitos enrolados em um saco de ração e disse:
- “Ligerrinho, sabe que é “perrigoso”, né!
Ah, e como eu sabia!
Ele, por sua vez, só soube que a Polícia Ambiental estava na nossa casa quando ele foi entregar os palmitos muito tempo depois, pois na hora tratei logo de pegar os palmitos e levá-los bem ligeiro para longe dos policiais.
Afinal, não podia deixar nosso amigo ser preso por nos dar palmitos plantados por ele em seu sítio.
E até mesmo porque, na nossa avaliação, o único pecado foi sermos amigos que sempre queriam agradar uns aos outros. O palmitinho era o carinho, e não havia sido furtado de ninguém.
Como recompensa, Toni ganhou posteriormente um pedaço de paleta de ovelha assada ao forno. E ele adorava.
Prestes a completar quatro anos de sua despedida entre nós neste plano, Toni vive em nossas memórias.
Que outros Tonis, com a mesma determinação e coragem para batalhar por seus ideais e projetos, e com a mesma ternura pelos seus conterrâneos, venham a conquistar espaços nos corações da nossa gente, fazendo das lembranças um local gostoso para se voltar e reviver momentos. Lembrança que vive, vida que segue.
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